13 de outubro de 2016

Ciberindígenas e o Flâneur Moderno





As transformações ocorridas nas cidades europeias no século XIX se projetam em diversas áreas do conhecimento, e traçam nas linhas da História o início de um período que se estruturou a partir de diversos aspectos. Alguns destes aspectos já foram abordados em nosso blog, como as transições de pensamentos religiosos e a intercessão da racionalidade, que alavancou avanços científicos refletidos na totalidade social daquele tempo. Mudanças na mobilidade urbana, meios de comunicação, produtividade comercial, entre outras foram fundamentais para a reconfiguração de padrões enraizados do Velho Mundo.

Após a Revolução Industrial, os grandes centros urbanos passaram por mudanças radicais em seus moldes, estes construídos e conservados até então em uma vida camponesa e feudal, muito distante do que estabelecia os modelos modernos. A industrialização possibilitou o crescimento e uma concentração populacional gigantesca dentro de um espaço que se tornava (e ainda se torna) cada vez mais escasso à medida que a população se infla, influenciada pelos variados estímulos da vida urbana e caótica desencadeado por uma nova conduta social e cultural. Consequentemente, estes desgovernados avanços geraram fenômenos negativos para a humanidade, muitos são conhecidos pelos leitores e seria necessária uma postagem exclusiva para tratarmos deles.

O fato é que este modo de vida agitado e desordenado, acentuado na segunda metade do século XIX, intrigava muitos estudiosos da época, em especial na cidade de Paris, como Franz Hessel, Rolf Tiedmann, Charles Baundelaire, Walter Benjamin, entre outros. Neste contexto caótico das metrópoles, tais estudiosos despertaram grande interesse na observação e análise do dinamismo social e no fluir do cotidiano que se consolidava, ficando este ato conhecido como flanerie. Imerso e ao mesmo tempo às margens dos centros urbanos, o flâneur é o observador atento que vaga pela cidade e coleta parcelas da realidade e decodifica seus aspectos com o olhar atento da interpretação. Em sua atividade de questionamentos e reflexões, o flâneur se lançava às ruas da cidade para o contato intenso com a nova sociedade que emergia, e se mostrou importante para a construção de críticas aos padrões que se estabeleciam, além de desprender ainda mais os estudos das ciências sociais das vertentes exclusivamente históricas.

Este contato intenso com a realidade caracterizado na atividade do flâneur demanda espaço e tempo, que se desenrolam com o mergulho profundo pelas ruas e “passagens” da cidade, como chamou Benjamin. Porém, com o advento dos novos meios de comunicação, em especial a internet, o conceito de flâneur sofreu uma considerável reformulação em suas tradicionais definições. Os fenômenos desta era digital permitem que o flâneur moderno se enquadre em qualquer indivíduo aventurado que navegar pela grande rede mundial de computadores, absorvendo em grande escala fragmentos segmentados e previamente escolhidos de invariáveis realidades, próximas ou distantes de qualquer contato humano, mediante os trabalhos de pesquisa e o uso das novas tecnologias. A desterritorialização, já citada em nosso blog, foi fundamental para esta transição.

Hoje, não é necessário sairmos de nossas casas para observar, analisar e refletir sobre a realidade atual da sociedade. Com um simples click, podemos estar em qualquer parte do globo e acessar qualquer tipo de conteúdo na imensidão do ciberespaço, evidenciando as potencialidades de aprendizado que a navegação digital pode oferecer.

Olívio Jekupé, escritor e ativista da aldeia Krukutu

O flâneur moderno, cada vez mais acentuado nesta era digital, se aplica também aos povos indígenas que acessam a rede. A internet é um poderoso instrumento de inclusão social e digital dos povos. A atuação do índio como flâneur moderno quebra uma barreira de herança colonial favorecendo o aprendizado independente dos povos, sem a necessidade do suporte institucional da cultura do homem branco. No portal Índios Online, podemos observar vários exemplos de flâneur moderno das comunidades indígenas. O site é administrado por cinco mentores, membros de comunidades indígenas como Alex Makuxi de Roraima, Patrícia Pankararu de Pernambuco, Nhenety Kariri-Xocó de Alagoas e Fábio Titiah, e Yonana Pataxo hã hã hãe da Bahia. O portal de “dialogo intercultural” vincula diferentes conteúdos multimidiáticos e evidencia o denominador comum da a inclusão digital indígena: a divulgação e preservação cultural, exposição de pontos de vista dos próprios índios a respeito de questões sociais, políticas e culturais, ganhando espaço para exigir e proclamar a garantia de direitos constitucionais e socioculturais. No documentário Indígenas Digitais (2010), o depoimento de Alex Makuxi nos revela uma parte importante da inclusão digital indígena em relação ao portal Índios Online.

"Através da rede Índios Online eu pude conhecer as culturas dos povos Pankararu e os Tupinambás, entre outros povos aqui do Nordeste, que antes eu só conhecia por meio de jornais e livros didáticos. Nestes veículos, ou se fala muito pouco, ou não fala nada, ou fala mal. Os relatos são de povos que invadiram isso ou aquilo, povos que invadiram as terras do homem branco. E na verdade as terras eram nossas, principalmente aqui no Nordeste onde foi o primeiro contato com os portugueses. Então a partir da inclusão digital eu pude ter o contato direto com os povos que vivem longe daqui, conhecendo seus costumes e culturas e isso uniu o Brasil em só canal."

Observando os sites indígenas listados em nosso blog, é fácil perceber as atividades flanerie modernas que se enquadram a inclusão digital dos povos indígenas. A entrevista com Olivio Jekupé, escritor e ativista indígena da aldeia Krukutu, também evidencia o que temos tratado até o momento. Confira aqui nossa entrevista.

A inclusão digital tem se mostrado fundamental para a independência dos povos indígenas em divulgar suas culturas e exigirem a garantia de direitos, violados desde 1500. Esta era de resistências dos povos indígenas ganha uma nova perspectiva com a internet. Observe, absorva, reflita. A multicuturalidade dos povos indígenas têm muito a nos ensinar.

Quer saber mais sobre as culturas indígenas? Fique por dentro de nossas atualizações nas redes sociais, e não perca nossas próximas postagens. Até a próxima!

Texto: Cauê Colodro

0 comentários :

Postar um comentário