5 de novembro de 2016

Miscigenação: Essência dos Índios Kariboka do Brasil



A miscigenação é um processo natural e sempre esteve presente nas relações interculturais da espécie humana. A formação das sociedades contemporâneas carrega uma forte herança dos processos miscigenatórios do passado, porém esta progressão cultural acaba sendo facilmente desconsiderada ou desconhecida, evidenciado o distanciamento que as novas gerações mantêm a cerca de suas verdadeiras origens culturais. Tal distanciamento é agravado por diferentes aspectos do modo de vida atual da sociedade, imersos em dogmas e direcionamentos pouco coerentes a respeito de nossa participação na ordem natural, imutável e misteriosa do universo.

A sociedade brasileira atual é um rico produto de variados processos miscigenatórios que se iniciaram com a chegada do homem branco à América. Mesmo com a agressiva colonização e tentativa de uniformização cultural, as ricas culturas dos povos ameríndios se tornaram pilares primordiais para a construção do mundo em que vivemos hoje. Suas influências são inegáveis e se conservam através dos séculos, se projetando desde costumes cotidianos, aos campos da linguística, medicina, alimentação, artes entre outros.

Muitos são os exemplos dos encontros culturais que estruturaram nossa sociedade. Alguns são marcados por posturas etnocêntricas e padronizadoras, já outros se mostram como rico produto da mais pura essência cultural despertada pela miscigenação, como a cultura dos índios Kariboka do Brasil, habitantes da aldeia Tupãnaé localizada na região de Pariquera-Açu/SP.

Pajelança realizada entre as etnias Wassu Cocal e índios Kariboka, em Ouro Fino Paulista/ SP.

Nos séculos da colonização muitos navios negreiros vindos da África aportaram na costa brasileira. Assim como os povos indígenas, os africanos também sofreram o choque agressivo provocado pelo encontro com o eurocentrismo, manchado por sua atividade exploratória e escravidão. Distante dos engenhos, muitos negros e índios escravizados buscavam seus refúgios nas selvas e florestas do território brasileiro, e promoviam um rico encontro de culturas marcado pela união étnica de povos oprimidos nas desventuras desgovernadas do homem branco. Esta união resultou em um rico patrimônio cultural e marca a essência dos índios Kariboka: a mistura entre o índio, o negro e o branco mestiço.

A progressão cultural que esta miscigenação proporcionou se constitui de aspectos que variam desde a alimentação e uso de recursos naturais, aos processos de curas medicinais e rituais de pajelança, uma rica fonte de conhecimentos espirituais e cosmológicos que se manifestam atualmente com sua mesma potência originária, regidos pelos mandamentos da natureza e mediados pelo Pajé Laguna, líder espiritual dos índios Kariboka. As pajelanças Kariboka acontecem tanto na comunidade da aldeia Tupãnaé como também em um ponto de encontro localizado em Ribeirão Pires, na Associação União Espírita Irmã Gezebel, que promove encontros interculturais além de ações sociais focadas na fé umbandista.

Estivemos em um desses encontros, onde reuniram-se os índios Kariboka e índios da etnia Wassu-Cocal (AL) para realização do ritual de pajelança. O resultado foi uma rica e transformadora experiência evidenciada pelo contato com estas culturas. Como revela o relato de Rodolfo Ochoa.

“Visitamos uma associação onde aconteceu um ritual chamado Pajelança,, realizado pelas tribos Wassu-Cocal e Kariboka nas localidades de Ouro Fino Paulista, Ribeirão Pires. A eventualidade foi marcada por diversos acontecimentos, entre eles danças, rituais, pequenas palestras e até um batizado religioso. Ao decorrer do ritual, estes acontecimentos nos cativavam gradativamente, pelo fato de serem diferente e desconhecidos de nossas percepções. Em meio as rodas das danças e rituais fomos pegos de surpresa: uma nativa da tribo wassu-cocal que fazia parte do ritual, puxou exatamente eu, o Caique e Cauê ao centro da roda, e disse que sentiu energias que se assemelham aos "laços da morte” e pediu que “vigiássemos” as pessoas que se aproximam de nós, ao mesmo tempo em que indicava que tais laços estavam por serem rompidos naquele momento do ritual em que estávamos envolvidos. Naquele momento paralisamos, um choque de realidade, colocando nossos pés no chão, nitidamente nos abalando.
O sentimento emanado de nossas mentes possuem uma complexidade que talvez dificulte o trabalho de tentar expressar de alguma forma aquilo que foi despertado. Contudo, aqueles garotos que entraram no evento saíram novos homens, fruto ou não de nossas imaginações, essa pancada existencial nos metamorfoseou para o bem.”

 A cultura dos índios Kariboka, bem como todas as culturas das etnias indígenas do território americano, são uma abundante fonte de ensinamentos introspectivos e ao mesmo tempo sintonizados ao cosmos, e condicionam o homem como integrante dos mandamentos da Natureza, devendo preservá-la e elevar-se espiritualmente às energias que regem as mutações do universo através de rituais, e assim estabelece uma vida harmoniosa e sintonizada pelas mediações de nossa intima naturalidade.

Conhecer as culturas indígenas é fundamental àqueles que se aventuram a trilhar novos caminhos e buscar sempre sua evolução espiritual, elevando sua vida material a um processo de intenso e essencial aprendizado.

Quer saber mais sobre as culuras indígenas? Fique por dentro de nossas atualizações nas redes sociais e no Blog. As culturas indígenas têm muito a nos ensinar.

Texto: Cauê Colodro 

3 de novembro de 2016

Povos Indígenas: Séculos de Resistências




“Tribos de índios desapareciam 
E as selvas de pedra se construiam 
Revolução industrial e desenvolvimento 
Começavam a surgir o devastamentos 
Vindo da Europa e de suas naus 
Explorando o Brasil, tendo lucro total 
Matando nativos queimando nosso ouro 
Por isso que vivemos hoje nesse sufoco.”

Colônia de Exploração – Bêca Arruda

Nem os mais sábios anciões indígenas poderiam prever as consequências da chegada do homem branco em Pindorama. As feridas causadas pela agressiva colonização dos europeus permanecem abertas e marcam nos registros dos povos indígenas o início de uma era de resistências, que já dura mais de 5 séculos. Neste cenário antagônico, a encenação que se exibe varia entre picos de guerra e destruição, revestida e ocultada pelo fundamentalismo do Ocidente. Esta era de resistência vem passando por várias etapas, acompanhando os desgovernados avanços do homem branco e o distanciamento de seus ancestrais, e ganha uma nova perspectiva com os recursos democráticos de comunicação da cibercultura.

Durante os séculos seguintes ao descobrimento europeu da América, as novas colônias americanas se tornaram reféns das transformações das sociedades da Europa. Os questionamentos de Martinho Lutero abalaram as estruturas da igreja católica no século XVI, que direcionaram seu medo odioso para as ramificações seguintes que surgiram do Protestantismo. As reformas protestantes, aprofundando-se na brilhante análise de Max Weber em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, foi fundamental para a transição de uma ideologia desgastada pela intolerância religiosa, para uma adaptação do pensamento cristão, que descentralizou o poder do clero sobre as relações sociais e fez emergir uma nova conduta religiosa a qual se projetou sobre as relações comerciais e econômicas do sistema capitalista tradicional. A predestinação, acúmulo de conquistas e riquezas materiais, o sentido da vida concentrado na palavra da bíblia e não na igreja, são apenas algumas das características destas reformas éticas nos moldes do cristianismo.

Com o crescimento da burguesia, o regime absolutista se tornou ineficiente, originando uma série de revoluções burguesas que podem ter servido de base para a posterior Revolução Industrial, principiada na Inglaterra no século XVIII.

Os diferentes questionamentos críticos e a abertura para a racionalidade tornaram o avanço da ciência fundamental para o desenvolvimento de novos meios de produção diferentes dos costumes artesanais da sociedade feudal, que otimizados com a manufatura, geraram grandes mudanças que reconfiguraram os padrões sociais estagnados do velho mundo. Conforme a síntese destas mudanças avançava, um novo estilo de vida se acentuava em diferentes países da Europa: o crescimento da industrialização e de centros comerciais, intensa urbanização e êxodo rural, crescimento populacional acelerado, surgimento de uma nova cultura estimulada pelo consumo, são alguns fatores considerados como avanços das sociedades europeias, de acordo com a ideia individual que cada leitor tem de progresso.

Adornos do Brasil Indígena - Resistências Contemporâneas

 No entanto, o que seria deste desenvolvimento dos países europeus sem a intensa e agressiva atividade exploratória das colônias e de seus habitantes, em especial a América e este território que hoje chamamos de Brasil?

Não é necessário um estudo aprofundado para refletirmos sobre esta questão, principalmente ao olharmos o processo de colonização e suas consequências na perspectiva dos povos indígenas, como podemos observar em muitas de suas narrativas. Esta perspectiva, bem como as próprias culturas, terras, e direitos indígenas, sofre com o ocultamento etnocêntrico das culturas euroamericanas em diferentes esferas há vários anos. No processo de escolarização por exemplo, pouco se aprende sobre as culturas ameríndias e sua resistência durante a colonização agressiva dos europeus e na atualidade. Por que? Tendo em vista as fortes e evidentes raízes culturais oriundas dos povos indígenas nativos destas terras? Este ocultamento, herdado do período colonial, alimentado pelo etnocentrismo contemporâneo e estimulado pela cultura de consumo (que infecta todas as partes do planeta nos afastando da sensata natureza interior), implica em uma desvalorização destas raízes e a incapacidade do homem branco em interpretar diferentes formas de relacionamento com os recursos naturais e com o mundo que nos envolve.

Apesar desta dissociação e dissimulação cultural, o advento da cibercultura possibilitou uma nova análise destes processos históricos e seus desdobramentos na contemporaneidade, considerando as novas possibilidades de produção de conteúdo e independência comunicativa que os povos indígenas conquistaram e conquistam à medida que se incluem neste universo digital. Ao mesmo tempo em que instrumentam a divulgação de sua cultura, perspectivas históricas, lutas sociais por demarcação e garantia de direitos, como podemos observar em muitos sites indígenas e não indígenas, os povos ameríndios também fazem uso dos recursos e facilidades da cibercultura para a educação, informação e conhecimento por exemplo, rompendo as barreiras coloniais e fixações do estereótipo de índios primitivos e selvagens, e favorecendo assim sua inclusão social e cidadã no cenário contemporâneo. 

internet tem se mostrado uma poderosa ferramenta para as culturas indígenas em diferentes aspectos de seu cotidiano e sua inclusão social. Abordaremos esta e outras temáticas em nossas próximas postagens. Fique por dentro e acompanhe as atualizações do Ciberindígenas nas redes sociais, mergulhe nas sabedorias das culturas ameríndias e crie novas concepções sobre esta nossa passagem na ordem natural do universo. Viver é muito mais que ganhar e gastar.



Texto: Cauê Colodro

23 de outubro de 2016

Brô MC’s e a incrível miscigenação musical


O avanço da tecnologia deu a oportunidade de diversas culturas se lançarem ao mundo e com os povos indígenas não foi diferente. Os jovens Bruno Veron, Clemerson Batista, Kelvin Peixoto e Charlie Peixoto, das aldeias Jaguapiru e Bororó compõe o grupo de rap Brô MC’s. 
Rhythm and poetry (ritmo e poesia), compõe as siglas do movimento que ultrapassou as barreiras de ''gênero musical''. Foi levado para os EUA pelos jamaicanos que fugiram da crise no país, e que viveriam mais tarde nos bairros pobres e periféricos de Nova York, no começo da década de 1970.
Marcado por lutas e dificuldades, a essência do rap sempre foi transformar o que é injusto, libertar o oprimido e conquistar o seu espaço. 

O grupo Brô MC's foi criado em 2009 e uni as características do rap norte-americano com a linguá nativa das aldeias, o guarani. E tem como seu maior objetivo relatar os diversos problemas passados pelo povo Guarani Kaiowá no dia-a-dia, tal como, a discriminação cultural e a constante perda de território.
Sendo assim, a equipe Zas separou cinco músicas do grupo para que você, leitor, possa desfrutar dessa incrível miscigenação musical. Confira!










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A Diversidade Linguística dos Povos Indígenas


O Brasil possui hoje uma gigantesca diversidade linguística. Em diferentes regiões é possível notar a grande variedade de sotaques, gírias, dentre outras marcas das tradições orais da língua portuguesa, que mesmo regida pelas normas de um funcionalismo oficializado, é capaz de navegar em diferentes mares da sociolinguística, banhados pelas águas multiculturais da sociedade brasileira. Porém, ao direcionarmos esta análise para o patrimônio linguístico dos povos indígenas, nativos destas terras que hoje chamamos de Brasil, esta diversidade de línguas é ampliada exponencialmente e alcança um nível de complexidade que transcende todas as regras gramaticais já elaboradas pelo homem branco, seja na própria língua portuguesa ou qualquer outro idioma.

Atualmente, mais de 150 línguas e dialetos são falados pelas comunidades indígenas do território brasileiro. Apesar da espantosa variedade, estima-se que este número era muito maior antes da chegada dos portugueses, bem como as muitas etnias extintas durante o período colonial, que abriu no tronco dos povos uma ferida que ainda pulsa nos tempos atuais.

Durante o agressivo processo de colonização, a língua dos índios Tupinambá possuía maior densidade em grande extensão da costa atlântica, sendo incorporada e usada por boa parte dos missionários e colonos que eram minoria diante da população indígena nativa destas terras. O uso da língua Tupinambá tornou-se constante e generalizou-se entre os habitantes da colônia, sofrendo algumas transformações e passando a ser chamada de língua Brasílica. Em 1595 o padre e missionário José de Anchieta, percebendo a grande densidade usual da língua Brasílica, escreveu um manuscrito intitulado A Arte da Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, em uma tentativa de uniformizar as línguas faladas no sistema colonial. Após a publicação deste manuscrito, outras publicações foram realizadas em língua Brasílica, como o primeiro “Catecismo na Língua Brasílica” (1618) e Vocabulário da Língua Brasílica (1621), dicionário dos jesuítas que usavam esta padronização linguística nas missões de catequização dos índios. 

Já na segunda metade do século XVII, modificada pelo uso frequente dos índios catequizados e dos não-indígenas, a língua Brasílica ficou conhecida como língua Geral, possuindo duas ramificações linguísticas: a Língua Geral Paulista, originária dos índios Tupi da região de São Vicente e alto rio Tietê, muito usada e levada pelos bandeirantes nas explorações sertanejas alcançando assim novos territórios. E a Língua Geral Amazônica, desenvolvida a partir do Tupinambá na região nordeste, sendo usada como instrumento de catequização e ação social portuguesa, ficando conhecida mais tarde como Nheengatu.

O processo de homogeneização da língua no Brasil-colônia acentuou-se a partir do século XVIII, durante o reinado português de D. José I. O ministro Marquês de Pombal, figura importante do Estado português na época, modernizou as reformas do período anterior alterando diversos parâmetros solidificados da colônia, como o monopólio dos jesuítas sobre os métodos de ensino, bem como o uso das ramificações da Língua Geral. A atuação de Pombal na América foi um marco significativo para os povos indígenas e suas múltiplas vertentes linguísticas, até então já desconsideradas pela ação dos jesuítas. Entre os atributos impositivos da “Lei de Diretório dos Índios”, criada pelo marquês em 1757, a proibição do uso da Língua Geral foi determinante para a padronização e uniformidade do idioma falado nas capitanias. Com a criação da primeira rede de ensino sem base católica, junto ao suporte legislativo, a língua portuguesa se expandiu por todas as capitanias da colônia e passou a ser ensinada aos índios e colonos de forma institucional, escrita e com uma gramática definida com caráter oficial, evitando margens para a pluralidade das culturas ameríndias. A língua portuguesa então passou a ser usada em todas as relações sociais, sendo essencial para a manutenção da hegemonia portuguesa sobre a colônia e afirmando assim o caráter etnocêntrico do processo de colonização, já discutido em nosso blog (Confira a matéria completa).

Paulo Wassu, cacique e liderança indígena da etnia Wassu Cocal. Em pajelança realizada na cidade de Ouro Fino/SP 

A progressão das transformações linguísticas no período colonial é mais um atentado ao patrimônio cultural dos povos indígenas, e esmagam um fenômeno peculiar, único e intrigante das culturas ameríndias: o multilinguismo. Dentro de uma única tribo, é possível encontrar índios que falam mais de uma, duas, ou até cinco línguas diferentes, e são capazes de organizar conscientemente e com perfeição a fluência singular de cada uma, sendo motivado pelas relações sociais de sua tribo e demonstrando a habilidade de aprendizado poliglota da espécie humana.

A rica diversidade de línguas indígenas não impede que as tribos se relacionem entre si, e fazem parte do compartilhamento cultural existente entre os povos. As línguas e dialetos, além de carregarem uma forte referência cultural marcante das tradições orais, são instrumento para formação da identidade indígena. Os povos Tukano por exemplo, habitantes das terras ribeirinhas do Rio Uaupés, são exemplos evidentes de multilinguismo. Os homens devem aprender as línguas partilhadas por seu pai, dentro de seu grupo linguístico. No entanto, devem se casar com uma mulher que faça parte de uma família linguística diferente. A maioria dos índios dos povos Tukano são poliglotas, e fortalecem suas culturas através desta relação intercultural entre as etnias do Rio Uaupés.

Com a oficialização da língua portuguesa, aprender as normas e o uso da língua oficial se tornam ferramentas fundamentais para inclusão social do índio à sociedade em que vivemos, já que as leis, documentos, notícias entre outros instrumentos sociais são desenvolvidos na língua portuguesa. A garantia de direitos e o exercício da cidadania prescritos na Constituição também se mostram acessíveis e de maior facilidade quando os povos aprendem a língua oficial. Porém, o papel das instituições escolares no aprendizado indígena da língua portuguesa é amplamente questionado, visto que muitas vezes acabam por ensinar a nova língua da mesma forma que é ensinada a não-indígenas, deixando algumas lacunas que vão contra a preservação cultural das línguas originárias, bem como a própria base cultural dos povos. A análise da relação da escola e aprendizado indígena é delicada, e merece uma discussão acirrada a respeito dos métodos de ensino (para isso indicamos o livro Linguagem e seu Funcionamento, de Eni Orlandi, o qual a autora discute meticulosamente o assunto em um capítulo voltado exclusivamente para a questão indígena). A internet tem possibilitado mudanças neste quadro, visto que agora algumas tribos independem de instituições para adquirir novos conhecimentos quando acessam a rede.


Olivio Jekupé, escritor indígena e ativista da aldeia Krukutu.

Muitas concepções carregadas de preconceitos em relação ao aprendizado indígena da língua oficial são vinculadas atualmente, e tem como base a desgastada e inválida ideia de que os povos indígenas integram uma parte selvagem e primitiva da sociedade. Como controvérsia, entrevistamos Olívio Jekupé, escritor e ativista da aldeia Krukutu, situada em Parelheiros (SP). Olívio é formado em filosofia na Universidade de São Paulo (USP), e já publicou seis livros em sua carreira. Ele nos conta um pouco sobre a multiculturalidade dos povos indígenas, suas relações com a escrita e a inclusão digital das aldeias. Confira a entrevista aqui!

Quer saber mais sobre as culturas indígenas? Acompanhe nossas redes sociais e fique por dentro de nossas atualizações no blog. Novas perspectivas são fundamentais para encararmos com respeito o rico patrimônio cultural dos povos indígenas e sua forte influência em nossa sociedade. Até a próxima!

Texto: Cauê Colodro.

20 de outubro de 2016

Ciberindígenas: A internet como aliada dos Povos Originários


Nos dias atuais, observamos cada vez mais o aumento do uso das mídias digitais em diferentes esferas da sociedade. Com o enfraquecimento do tradicional controle exercido pelos meios de comunicação de massa, as facilidades desta nova cultura digital e a viabilização de custos dos modernos meios de comunicação criaram o cenário onde não há protagonistas, e sim uma relação antagônica entre os novos produtores de conteúdo, munidos dos invariáveis recursos da cibercultura. Este contexto, junto ao desenvolvimento de softwares livres e novas plataformas de exibição de conteúdo, possibilitou a democratização na exposição de informação, onde o usuário não é limitado apenas ao consumo e passa agora a produzir conteúdo, sendo chamado pelos estudiosos de Prosumer (junção das palavras em inglês producer e consumer).

Curtir, comentar, compartilhar, vincular conteúdo multimidiático, ou apenas um smartphone em mãos são alguns dos aspectos que tornam os usuários das mídias digitais uma fonte poderosa de informações. As potencialidades dos novos recursos de comunicação se desdobram por várias áreas do conhecimento, e ultrapassam os limites solidificados pela convencional concepção que eleva as novas tecnologias a um grau prejudicial ao modo de vida das pessoas. Porém, a questão não se resume apenas em definir a tecnologia como boa ou ruim, e sim o uso que se faz dela.

O papel de vilã que a tecnologia pode assumir perde esta sua limitada caracterização ao analisarmos atentamente a inclusão digital dos povos indígenas do território brasileiro.

Considerando as perspectivas históricas já tratadas em nosso blog, além das próprias ideias do leitor, não há dificuldades em percebermos que os povos indígenas vêm passando por uma era de resistências, iniciada com a chegada do homem branco no território americano. A luta por demarcações territoriais contra invasões de latifundiários, madeireiros e garimpeiros, a preservação ambiental, a constante defesa de seu rico patrimônio cultural e a garantia de direitos são algumas das características da resistente postura indígena diante dos desgovernados avanços da sociedade em que vivemos. Contudo, na atualidade os povos indígenas encontram uma forte aliada em suas lutas: a internet.

A condição de Prosumer, tão vinculada aos novos usuários da rede mundial de computadores, aplica-se também aos povos indígenas. Os parâmetros desta nova cultura digital têm um papel fundamental na inclusão social do índio a sociedade. Na rede, os povos encontram seu espaço, anulado há tempos pelo homem branco, e divulgam suas culturas afirmando sua riqueza oriunda de uma forma excepcional de interpretar o mundo. Além disso, as comunidades indígenas ganham voz no que diz respeito a exposição de lutas por direitos sociais e ambientais, e assumem um papel ativo livre de passividades. Tal fato é facilmente observado ao navegarmos pelos diversos sites indígenas (Confira a lista de sites).

Aldeia Krukutu, Parelheiros/SP

Um dos primeiros povos a se conectarem à rede foram os Ashaninka, que habitam as terras onde hoje é a cidade de Alto Juruá, na divisa entre o Estado do Acre e Peru. O contato com a internet se mostrou essencial para denunciar a devastação ocasionada por madeireiros peruanos, que avançavam sobre os territórios Ashaninka com maior frequência e agressividade, destruindo florestas e seus recursos, além de ataques às aldeias. Um painel para captação de energia solar e um computador se tornaram pilares na luta contra as invasões dos madeireiros peruanos. Os Ashaninka então enviavam e-mails ás ONGs denunciando as ações agressivas que ocorriam em seu território. As informações eram repassadas ao governo e enviadas a Polícia Federal, que iniciou junto ao Exército uma ação combativa aos madeireiros ilegais. Hoje os Ashaninka possuem uma associação e usam blog e twitter para divulgarem suas ações de preservação socioambiental, além de afirmarem seu patrimônio cultural garantindo seus direitos de inclusão social e digital.

Outro projeto notável do uso da internet por povos indígenas é do povo Paiter-Suruí, que habitam onde hoje é localizado o município de Cacoal (RO). Em 2007, durante uma palestra nos Estados Unidos, a liderança indígena da tribo Almir Suruí divulgou ao mundo o sério problema que a comunidade passava (e ainda passa) em relação a proteção de seu território, constantemente invadido por extrativistas ilegais. O cacique então expôs a grave situação de seu povo, e solicitou ao Google a ajuda necessária para o monitoramento das florestas. A empresa então abraçou a causa, e fez a doação de notebooks, aparelhos celulares e GPS, além de disponibilizar treinamentos para os indígenas da tribo para que aprendessem a usar as tecnologias de geolocalização, filmar e usar o Youtube como forma de fiscalizar e denunciar o desmatamento, entre outros crimes ambientais e ameaças a comunidade. Hoje os Paiter-Suruí possuem um estruturado site, onde vinculam matérias e notícias que abordam assuntos relacionados desde a saúde indígena, a artigos expondo suas lutas em outras línguas como inglês e francês. 

Estes são apenas alguns exemplos da conexão entre povos indígenas e a cibercultura, e como o eficiente uso da tecnologia pode causar grandes transformações nas perspectivas que se têm desta relação pouco conhecida atualmente. Arcos e flechas deixaram de ser a única forma de defesa das comunidades indígenas, que encontram hoje uma maneira eficaz de afirmarem sua cultura e garantir direitos constitucionais e socioculturais. O diálogo intercultural é indispensável para o reconhecimento da rica cultura dos povos originários das terras que habitamos. 

Para saber mais acesse nossa lista de sites indígenas. Siga-nos nas redes sociais e fique por dentro de nossas postagens, os povos indígenas têm muito a nos ensinar.

Fotos: Zas Comunicação e Arte.
Texto: Cauê Colodro.